Sem bateria no telefone, sem energia, sem ninguém para distraí-la. A procura por uma vela não cessa. Mesmo que seja um pedaço... E isso então é o que é encontrado entre jornais e revistas velhos em uma gaveta de escrivaninha.
No desespero, acende então o fogão. Todas as bocas. Tudo que produza luz e faça diminuir o suor produzido pelo medo e desacelere as batidas frenéticas do coração. Algo tão banal passa a ser vital. O celular, então, dá sinal da pouca bateria que lhe resta. Vai até a torneira para lavar o rosto e quem sabe assim diminuir a ansiedade... Nada de água. Certo, agora é a hora que o desespero aumenta. Os carros param de passar na rua, e a energia nada de voltar... Aonde foi todo mundo?
Provavelmente famílias reuniram-se em volta de velas acesas e aproveitaram o momento para contar histórias e darem risadas enquanto tudo não volta ao normal. Tal pensamento só aumenta o desespero causado pela solidão. Nada de área no aparelho celular para ao menos telefonar para alguém e se distrair. No silêncio, um barulho estranho ecoa...
Voz assustada, voz de menina. Início de um grito. Interrompido, abafado. Corre então para ver o que é, e o celular não agüenta mais. Descarrega. O único jeito é adaptar-se à escuridão nessa casa cercada por histórias... Outro grito-gemido corta então o silêncio subitamente. Dessa vez, abafado com mais precisão. Corre.
Em frente à casa há uma rua sem saída, por onde passa um carro e graças a luz do farol, é possível avistar então, uma menina prestes a ser violentada. O homem que a cerca, alto, robusto, covarde, quase a impossibilita de respirar. Tenta gritar, pedir socorro, mas assim como a noite escura, onde nada se vê nada se ouve de sua boca. A euforia toma conta. Suores, tremores. Ninguém na rua. Ninguém veria o desespero no escuro.
A solidão e a falta de luz trouxeram uma coragem. Não se sabe bem como, mas a mulher sozinha e sem luz, corre desesperada pela casa e procura por algo em gavetas do seu falecido pai. Surge uma arma. Ela sabia que seu pai a guardava, porém, nunca o viu tirá-la de lá. Dizia que deveria ser usada apenas em último caso e em legítima defesa. O que mais poderia ser feito em tal situação?
Uma motocicleta passa e o homem esconde a menina ainda mais no canto, fingir estar urinando. A mulher com a arma, desesperada, tenta ligar novamente o celular em busca de luz, em busca de justiça. Ele retorna ao seu chamado e ela sabe que não durará muito tempo. Corre, abre a porta, e se esconde na escuridão. A menina reluta, mas não havia mais nada que ela pudesse fazer.
O homem então começa a fazer movimentos estranhos e começa a se despir. A menina se desespera ainda mais e a mulher corre. Em um súbito, um clarão de farol em outra rua. Os olhos estranham a luz e a arma apontada surge. Não há mais tempo a perder. O homem tenta continuar, um brilho de esperança aparece nos olhos da menina ao avistar a mulher.
De volta ao escuro, o celular ressurge, a mulher aponta em direção à menina. Frágil, assustada. O homem então a agarra com mais força e não demonstra desejo em parar. A mulher grita, faz um alerta, ele saca um revólver. Não há mais o que pensar só um dedo a pressionar. E foi isso o que fez o silêncio ser cortado com a queda daquele corpo forte no chão e uma menininha chorando em meio a soluços.
A cidade ressuscita. A luz volta. Aos poucos, as lâmpadas dos postes começam a acender. Pessoas falam. Os olhos da menina salva e da mulher que a salvou se encontram. A escuridão se foi e levou com ela aquele homem. O desespero se foi e com ele, os suores e tremores. Agora é só esperar, a justiça ser feita. Outra noite escura, medrosa e desesperada como aquela... Nunca mais!
Belma Andrade
-Conto escrito durante uma noite de blackout.
Minha querida, você devia ter entregado esse conto a Botelho! o/
ResponderExcluirArrasou!