sexta-feira, 24 de junho de 2011

- Que horas?


Vai fazer um ano. Era uma noite de sexta-feira. Quase madrugada e estava chovendo. Pedro já deveria ter voltado do trabalho. Às vezes enfrentava transito, mas eu insistia em esperá-lo para dormir. Sem falar que as crianças faziam o mesmo porque ele sempre trazia bolinhos da padaria ao lado do seu trabalho para elas.   
            Telefonei para o seu trabalho, na intenção de saber se teria havido algum contratempo na empresa ou se alguém podia me dizer a que horas Pedro saíra. Ninguém atendeu. Uma leve preocupação tomara conta do sono. Pensei em algumas possibilidades, mas procurei me acalmar para não demonstrar às crianças. “Ele não demoraria mais”, pensei.
            Quando não aguentava mais, abri a porta com as crianças no meu encalço e vi brotar um sorriso no rosto da Juninho quando viu Pedro vindo na outra rua, prestes a atravessar a esquina. Como sempre, o pacote de bolinhos em mãos e sorrindo para as crianças. Foi abordado por um transeunte lhe apontando o dedo no relógio e perguntando a hora. Acreditamos que era apenas isto.
            Surgiram mais dois homens. Altos, covardes. Empurraram o Pedro para uma rua sem saída, logo na esquina. Mandei as crianças entrarem e o esperarem lá dentro. Escondi-me no portão. Vi que o homem que lhe solicitou a hora, o segurava firme enquanto os outros o revistava. Batiam. Engoli o choro e o eco do meu silêncio que gritava por dentro. Não adiantava tentar reagir. Avistei uma arma.
            Meu marido. Pai dos meus filhos. Meu companheiro. Até a hora em que a hora lhe fora solicitada. Ele já não o era mais. Apenas contorcia-se de dor. Ainda chovia, mas eram insignificantes as gotas gélidas que desciam pelo meu rosto, misturando-se às lágrimas de revolta e dor que por ele rolavam. Estava feito. O que roubaram, não vi. Só a vida, que senti. A tiros.


Belma Andrade

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